Artesãs da Vila Verde

Nas palavras de Ana Lizete Farias:

“Na narrativa moderna, principalmente em comunidades carentes, há uma certa  naturalização do  princípio do “There is no alternative”, que tenta destruir as iniciativas artísticas e criativas que se alinhem à sustentabilidade como  uma saída para os seus desafios cotidianos. Grupos colocados à margem, como esse constituído pelas Mulheres da Vila Verde são tomados, então, como vítimas, excluindo que os seus papeis enquanto atores sociais possam ser (re)inventados para continuar os cursos de suas vidas.

Re-imaginar um mundo mais sustentável, fornecendo espaço para diferentes perspectivas nesse cenário de condições adversas que conjuga violência,  fome, desemprego, baixa-estima é tarefa impar.  Exige buscar outras possibilidades de pensar as coletividades naquilo que é sua  pluralidade de elementos , ancoradas na   partilha ,na capacidade de “sair de si” em direção ao Outro, na dádiva, que, somente uma experiência comunitária concreta pode oferecer.

A (re)criação de um planeta mais sustentável passa por permitir que os sujeitos possam despotencializar a violência que os atravessa e que dela participam, sem saber que o fazem.

Ressignificar a violência, através do compartilhamento dos saberes, gerar soluções para os problemas do cotidiano, fundando um  processo de  inovação social, é o que propõe o projeto com as Mulheres da Vida Verde.

Através da tapeçaria de esmirna, uma cultura que atravessa os séculos, as mulheres, podem se apropriar, de forma subjetiva, de uma multiplicidade de elementos que se justapõem para compor esse mundo sustentável. Nesse caso, há que se marcar a singularidade do método de aprender, estimulado pela presença do designer, que as convida para vivenciar  o seu processo de produção , a partir do observar e se  observar, numa perspectiva ecológica. A arte materializada pelo designer e sua condução, faz esse diálogo entre o tradicional e o inovador, contribuindo para que a validação dos conhecimentos produzidos se identifique e dialogue com o que o próprio  grupo escolhe para ancorar esse sistema de prática e, ao final, servir como base de  sustentação para suas vidas pessoais e coletivas.

A contação de histórias, das próprias histórias das mulheres, também circunscreve de maneira indelével as atividades resgatando as memórias significativas da comunidade que irão tornar-se estampas/ motivos plásticos da tapeçaria.

Nesse processo singular, há uma ancoragem no silêncio, na escutatória que expressa os elementos espirituais, emocionais e afetivos dessas pessoas que se misturam e deixam envolver por formas diversas de sentir e viver facilitando também a experiência de proximidade com os elementos da natureza.

Por fim, o projeto aponta essa possibilidade real da comunidade descontruir o seu lugar imaginário de vítima, numa aposta intransigente da dignidade de cada um, que, responsabilizando-se por sua  trajetória, passam a ser motivo de inspiração para tantos outros que puderem se apropriar de seu exemplo.”

Nas palavras de Luan Valloto, assessor de ecodesign do grupo de artesãs da Vila Verde:

Estava quase chegando o fim do ano de 2016, e recebi uma ligação de Bernadete Brandão me colocando em contato com Suzana Leal. Começava a se concretizar o meu sonho de atuar com a criação de comunidades em conjunto com o design social para a sustentabilidade, o ecodesign.

O local, território: Vila Verde, CIC – Cidade Industrial de Curitiba, Paraná, Brasil.

Uma região de casas humildes, ruas estreitas e empoeiradas. Lá, há muita gente que precisa encontrar meios de gerar renda e cuidar dos filhos, ao mesmo tempo.

A ideia que Suzana trouxe foi a de montar um grupo na Vila Verde com mulheres, para empoderá-las, gerar renda, falar de comunicação não violenta (CNV), construção de circulo de paz, educação ambiental. E isso é exatamente o que eu procurava!

Começamos então a nos reunir na comunidade Santa Clara, em uma igreja capuchinha que, humildemente, nos acolheu para que pudéssemos ter um local de encontro onde, uma vez por semana, podemos fazer atividades, conversar, contar histórias, descobrir, educar, trocar receitas…

Tivemos um primeiro encontro para descobrirmos como iríamos começar, nos conhecermos, e pensar o projeto, em busca de como realiza-lo.

Num segundo encontro, vimos as primeiras pessoas que queriam fazer parte, que estavam dispostas e o que sabiam fazer. Deixamos um convite na comunidade: quem gostaria de participar.

No terceiro encontro vieram muitas mulheres. Foi numa noite, com elas animadas. Queriam saber o que poderiam fazer, como poderiam contribuir. E fizemos dinâmicas para que contássemos de nossas vidas, nossas famílias, o que sabemos fazer de artesanato. Aí começamos a descobrir que poucas sabiam alguma técnica manual de artesanato, e teríamos muito trabalho pela frente para ensinar a todas elas.

O quarto momento do grupo foi muito bonito. Fizemos um circulo dos sonhos, para que todos sonhássemos juntos o futuro desse grupo, e foi uma grande beleza. Sonhos virtuosos! Colocamos num grande papel e colamos na parede, para jamais esquecermos. E fizemos também um reconhecimento de território – o que tem de artesanato alí por perto, quem elas conhecem que faz artesanato, se há materiais na região que possam ser usados. Geramos outro painel desse momento.

No quinto encontro, sabendo que era preciso desenvolver o toque fino, micro olhar, fizemos uma oficina de origami de tartaruga. Em papel colorido, criamos tartarugas de dobradura, e falamos sobre a vida desse animal, pensando o quanto ele é especial e pode simbolizar coisas para a gente, como ter calma e paciência, reconhecer limitações, longevidade. Nesse dia, decidimos também, qual seria a técnica que o grupo gostaria de aprender, com peças de vários estilos e técnicas da NOSSA Roupa que Conta Histórias. Elas decidiram que a técnica de artesanato seria a esmirna.

Dali em diante nos reunimos várias vezes. Aprendemos a riscar um desenho de tapete em tela de talagarça. Vimos qual o melhor jeito de manter nossos novelos de lã enrolados. Aprendemos a técnica de esmirna. Cada uma recebeu agulha, lã, tapete, pintamos juntos um padrão de colmeia de abelha nos nossos tapetes, enquanto conversávamos sobre a importância da abelha na natureza e o ciclo da vida, das flores, frutos, alimentos…

Todas escolheram suas cores e bordaram a sua colmeia, para si mesmas. Um primeiro tapete bordado para sentir como é o conforto dessa peça, como é fazer algo com suas próprias mãos para decorar sua própria vida.

Fotos: Walter Thoms

Nossa história continuou com a problematização dos desafios do grupo, como comprar matérias-primas, quais delas seriam disponíveis gratuitas e abundantes, para continuar a usar a técnica que elas aprenderam esmirna.

Descobrimos que na região há confecções que geram resíduos têxteis de malha. É proibido descartar resíduo têxtil e passível de multa pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Fizemos parcerias com confecções para que as artesãs tenham material para trabalhar e continuar desenvolvendo produtos com design, artes que contam suas histórias e gerar renda complementar para suas famílias.

Esse projeto só é possível graças, também, à energia da Suzana Leal, fruto da Vila Verde, que hoje, ao observar mais de longe, consegue perceber reais motivações do que trabalhar dentro da comunidade onde sua família vive. Suzana é empresária, terapeuta quântica e facilitadora de Access. Atua com as palavras e meditações para levar Construção de Círculos de Paz e Comunicação Não Violenta, para que esse grupo de mulheres fomente dentro da própria comunidade novos olhares e possibilidades de uma vida mais saudável e feliz. Mas a parceria com a Suzana Leal vai muito além disso…

Fotos: Luan Valloto e Walter Thoms

O resultado desse grupo, depois de um ano de trabalho, se tornou o “Pelego de Histórias”, uma nova espécie de manta que pode cobrir sofás, cadeiras, poltronas, móveis que podem ser renovados, e usados como tapetes. Uma opção confortável para prolongar a vida de produtos estofados e, assim, ser mais sustentável.

Cada forma que compõe a superfície da peça, representa um pedaço de história contada pelas artesãs, que resgatam lembranças de suas vidas e da comunidade. Este é um momento que gera muita alegria.

O Pelego de Histórias pode ser feito personalizado para cada cliente, com adaptações de diversas cores e tamanhos.

Esperamos que os objetos adquiridos despertem boas memórias que, por vezes, permanecem esquecidas. Nosso desejo é que nossos clientes sintam a energia boa e acolhedora do povo miscigenado da Vila Verde e tenham um produto que contribua para muitas vidas.

Fotos: Luan Valloto