coleção DA JANELA - Luan Valloto - slow fashion

Coleção DA JANELA | 2021 | 1º parte

Primavera.Verão

(essa coleção se inicia como uma continuação do que já foi compreendido a partir da coleção REFÚGIO)

Este momento criativo se desenvolveu no período que eu estava em quarentena, principalmente quando estava mais dentro de casa, aquele momento quando “quase todos” ficamos isolados. Para mim foi de março a setembro de 2020, depois fui retomando cuidadosamente as atividades no ateliê. E, assim, via o mundo de dentro de casa, toda a vida se observava através da janela. Aqueles momentos contemplativos em que vimos tudo girar por recortes quadrados, retangulares, atrás dos vidros de nossas janelas. A sensação de proteção, somada ao desejo/medo de estar lá fora. Cuidado consigo mesmo e com os outros.

Da janela eu vi as nuvens passando, os pássaros voando, os prédios que delimitam a forma do céu no entardecer, a Lua e suas estações na ventarola da área de serviço: nova, crescente, cheia, e eu minguava. A partir desse momento todo, decidi que queria explorar o momento criativo. Na verdade, queria fazer qualquer coisa que não fosse ficar parado.

INFLUÊNCIAS: Algumas influencias reconheço como minimalismo, brutalismo e dobradura. É o que me vem quando penso nos clássicos do futuro. Peças atemporais que se tornem parte da vestimenta de um sobrevivente nato em um mundo super mutável. A arquitetura entra como inspiração para alfaiataria, o mundo em crise estimula leveza, muitas vezes misturada  a angustias e narrativas obscuras.

MATERIAIS TÊXTEIS: Busquei materiais que representassem esse conforto de estar em casa e o incômodo inseguro de ir às ruas. Sempre mantendo a criteriosa escolha pelas matérias-primas mais sustentáveis e de qualidade. A relação de buscar momentos de autocuidado, representado pelo moletim de reciclagem, macio, e meia malha fresquinha de reciclagem. O linho, em sua versão mais pura, que na pele dá sensação de uma arranhadinha, ou aqueles seus amassados, que, para alguns, é um profundo incômodo, mas, para mim, é o amassado mais charmoso da história. Pode! Para os mais avessos, o linho com viscose também está presente, e amassa menos, lembrando-nos ter resiliência. Há, ainda, o tule com esse toque de mística, leveza, cheio de transparência e nebulosidade, em camadas de profundidades dramáticas.

FORMAS: O Xadrez Príncipe de Gales marca a transição de quando passamos do momento de angustia viral (preto) para a tranquilidade/aceitação caseira (cinza). O caminho entre luz e sombra.

Formas retangulares, corredores, paredes, noticiários televisivos, TV. Ganham modelagens de bolsos em formato de “túnel”, com a perspectiva de que, no final, existe luz (vestido túnel).

Existe nisso tudo, também, um pé de misticismo, bruxaria, noite escura. Assim, a Lua entra como forma circular, presente em quase todas as peças, a recordar um tanto desse olhar para fora e um mundo grande a contemplar. As fases da Lua passam, mudam e voltamos à luz. Símbolo para recordar a impermanência, dias melhores, ou não. DA JANELA se tem essas perspectivas.

CORES: em tons de preto, cinza, até chegar ao cru. Representam o momento de converter aquilo que era a tristeza, pesar, em algo leve, com o qual é possível de se lidar: “Conseguimos fazer isso juntos”. Essa é, para mim, uma das maiores lições da pandemia: juntos, em rede, todos se cuidam.

INSPIRAÇÕES: trago algumas referências para dialogar, que têm me povoado as ideias…

O filme Bacurau, com grande força de união entre as pessoas, expressando a potência da coletividade, muitas vezes subjugada – flerta com a coleção REFÚGIO quando falava sobre nos recolhermos uns aos outros – somada à série televisiva Pose, que retrata a luta pelos direitos de um grupo vulnerável LGBT+ multirracial. Dessa forma, encontro sintonia com as obras de Max Leiva e suas esculturas coletivistas teatrais. A obra do artista retrata um grupo de pessoas que se reconhece, unidos a olhar para fora, olhar o entorno e descobrir formas de lidar com os problemas e adversidades, momentos políticos e incertezas. Uma vez que o coletivo nos consola e fortalece. Existe ,nisso,  algo de dor, temor, mas também de buscar vasão e seus direitos.

A trilha sonora fica por conta de Belchior, e seu álbum Alucinação, de 1976. Que me ajuda a compreender que vulnerabilidade é poder. Tem também algo de me reconhecer como um “rapaz latino americano sem dinheiro no bolso e vindo do interior”.

Outras referências que têm impregnado minhas ideias são arquitetônicas, neste ponto, as obras do arquiteto Marcos Bertoldi, com sua linha contemporânea brutalista, o uso da matéria-prima exposta, me chega com bastante impacto imagético. Soma-se às geometrias sobrepostas de Sarah Kaye Rodden.

Finalizo com Paulo Freire: “Se as minorias soubessem que juntas são a maioria, o mundo já seria outro”.

 

Fotos: Igor Francisco

Peças feitas sob encomenda

A maior parte do trabalho feito no ateliê Luan Valloto são peças sob encomenda. Nem sempre tenho foto dos resultados finais. Aqui vou expor algumas…